A Psicopedagogia em busca de sua Fundamentação Teórica
Enquanto campo de conhecimento humano, a
Psicopedagogia tem sido influenciada por
diversas correntes teóricas e, em seu histórico,
sempre esteve voltada para as questões relativas
à aprendizagem. Nas décadas de 50 e 60 do século
passado, em seu iniciar, a visão predominante
era a médica.
Nesta visão, buscava-se enfocar problemas que
ocorriam com os sujeitos em relação à
aprendizagem a partir de uma abordagem
neuropsicológica, já que a existência de
problemas de aprendizagem apresentados por tais
sujeitos gerava fracassos no espaço e no tempo
da escola e, para que se chegasse a sua solução,
deveria investigar qual era a dificuldade, qual
era o problema.
Nos anos 60 e
70, a
Psicopedagogia interessou-se pelos
condicionamentos, saindo da abordagem focada
apenas nas possíveis falhas e avaliando os
desempenhos dos sujeitos em situação de
aprendizagem numa perspectiva behaviorista.
Considerando os porquês das dificuldades e dos
problemas de aprendizagem nos sujeitos, os
estudos psicopedagógicos da década de oitenta
mudam o enfoque e passam a ser consideradas as
diferentes influências do meio social e
cultural, abandonando a perspectiva de somente
observar como estas dificuldades e problemas se
manifestam.
A visão que surge, então, é considerada como
sendo uma visão social, levando em conta a
relevância das influências do meio
sócio-cultural para a aprendizagem. As idéias de
Lev S.Vygotsky ganham espaço e fundamentam novas
perspectivas para se compreender as dinâmicas
presentes nos processos de aprendizagem,
construindo um perfil profissional
psicopedagógico baseado na interdisciplinaridade
como metodologia e proposta de adoção de
estratégias de intervenção e pesquisa.
É um momento bastante fecundo, onde novas
teorizações e aportes significativos surgem como
elementos fomentadores da práxis psicopedagógica
que, a partir de então, ganha novas perspectivas
de ação e novos espaços para sua inserção. Na
década de 90, com os avanços em outros campos do
saber humano, principalmente das Neurociências,
da Biologia, da Sociologia e da
Psicolingüística, entre outras revisões
epistemológicas, a Psicopedagogia insere-se,
definitivamente, como um a área de atuação e um
campo do saber humano interdisciplinar.
Com isso, a Psicopedagogia avançou no sentido de
objetivar, cada vez mais, o sujeito na
construção de sua autonomia, vinculando o eu
cognoscente as suas relações com a aprendizagem.
Processos de investigação sobre a construção,
integração e expansão deste sujeito
aprendente se tornam cada vez mais presentes
na pesquisa psicopedagógica e é muito rica a
produção que podemos notar neste período.
O processo de aprendizagem passa a ser tema
essencial para se compreender a construção do
sujeito cognoscente, meta maior a ser alcançada
para que ele se torne capaz de ser o próprio
responsável pela construção do conhecimento.
O Ser e o saber na construção do sujeito
cognoscente
Numa perspectiva tradicional, sabemos que a
aprendizagem tem sido compreendida como pista de
mão única, onde o professor possui a tarefa de
repassar o saber para o aluno, percebido como um
ser que precisa receber este saber, sem que
nenhum outro processo seja válido.
Desconsiderando as relações sociais, nesta visão
do processo de aprendizagem, somente o professor
detém o saber e entre alunos e professores
nenhuma outra espécie de vínculo pode haver a
não ser esta: o professor sabe e o aluno não
sabe, portanto, a tarefa educativa deve ser a de
repassar o que o professor sabe para o aluno,
que, supostamente, nada sabe e só vai aprender
se receber o saber.
Na atualidade, muitos são os movimentos
pedagógicos para mudar definitivamente este modo
de fazer educação, visto que existem diversos
trabalhos e diferentes práticas que propõem
mudanças de olhar e percepção sobre a
aprendizagem, redefinindo os agentes de todo o
processo e seus respectivos papéis.
Da pista de mão única à de mão dupla: uma boa
metáfora para pensarmos sobre o par conceitual
ensinantes e aprendentes, em
processos de aprendências e ensinagens.
Em muitos momentos, é preciso criar novos campos
semânticos para mudarmos nossas percepções e
nossos paradigmas: a construção de novas idéias
remete-nos a necessidade de buscarmos novas
expressões, para significar novas
possibilidades, e como isso, trazer mudanças ao
nosso pensar.
No caso especifico do par conceitual aqui
colocado, o que considero essencial é relacionar
aprendentes e ensinantes como
caminhantes, numa mesma direção. A poética
que tal modificação induz ao nosso pensar é que,
aos estarmos juntos nos processos de aprender e
ensinar, de lidar com informações, conhecimentos
e saberes, é possível elaborarmos em parceria
vínculos como passaporte para a aprendizagem.
Em "A inteligência aprisionada” , Alicia
Fernández trabalha esta importante questão,
quando elabora idéias para refletirmos sobre uma
concepção de processo da aprendizagem onde o
aprendente é considerado como um sujeito
pensante, portador de sua inteligência e onde ao
ensinante, através dos vínculos que
conseguem firmar, é portador do conhecimento:
nesta relação, aprendentes e
ensinantes estabelecem uma relação entre
fatores que, quando colocados em jogo, facilitam
processos de aprendências, com gosto de
denominar.
E que fatores são estes? Pelo que aprendi com
Alicia é o organismo individual que o
aprendente herdou, o seu corpo, construído
de modo especular, e a sua inteligência, que é
auto-construída nas interações e na arquitetura
do desejo, que sempre é o desejo de outro.
Assim, é essencial o vínculo que se estabelece
entre ensinantes e aprendentes,
para compreendermos o como aprendemos. Sara
Paín, referencial também importante para nossos
estudos em Psicopedagogia, nos convoca a pensar
que a aprendizagem é um importante processo que
nos permite vivenciar a transmissão do
conhecimento de um outro que sabe, para um
aprendente que vai tornar-se sujeito e
desenvolver sua subjetividade pelo fato de estar
em processo de aprendizagem.
Tal processo, entretanto, só acontece de modo
qualitativo quando o ensinante consegue
utilizar as instâncias do orgânico, do corpo, do
intelecto e do desejo, integrando ao saber de
cada aprendente conhecimentos aprendidos
e que podem ser utilizados de modo
significativo, transformando assim, o ensino em
conhecimento.
Aprendentes,
como sujeitos da aprendizagem, possuem saberes
que os sustentam e tais saberes são frutos de
seus próprios movimentos e buscas por novas
aprendizagens e novos conhecimentos. É na
articulação do organismo, do corpo, do desejo e
da inteligência que o aprendente, como
sujeito, se constitui. No movimento que faz ao
interagir com a família e a escola, com as
instituições, com os outros, enfim, o
aprendente constrói a sua modalidade de
aprendizagem, de modo constante e permanente.
Assim, o ser e o saber na construção do sujeito
cognoscente, do sujeito aprendente, é
tema essencial para buscarmos aprofundamentos
teóricos e reflexivos, que nos conduzam a pensar
nas complexas dinâmicas presentes no ato humano
de ensinar e aprender.
As complexas dinâmicas no ato humano de ensinar e
aprender: idéias, processos e movimentos para
pensar em Aprendizagem.
Diante dos
referenciais admitidos pode-se perceber que a aprendizagem é um processo
onde o organismo, o corpo, a inteligência e o
desejo articulam-se em busca de determinado
equilíbrio. Entretanto, a estrutura intelectual,
de acordo com Jean Piaget precisa de equilíbrio
para estruturar o conhecimento do real e, assim,
sistematizá-lo por meios dos movimentos de
assimilação e acomodação.
Com o estudo deste importante autor, aprendemos
que assimilação pode ser compreendida como
movimentos dos processos de adaptação, através
dos quais os elementos presentes no ambiente são
alterados, com o intuito de serem incorporados à
estrutura do organismo.
Já por acomodação, conforme aprendemos em
Piaget, entendemos como sendo os movimentos que
elaboram os processos de adaptação que alteram o
organismo, em concordância com as
características do objeto com o qual se
relaciona.
Assim, o organismo é sustentado e evolui através
das relações que consegue estabelecer com o
ambiente onde se insere e, deste modo ele se
adapta, utilizando-se dos movimentos de
assimilação e acomodação.
De acordo com Alicia Fernández, são estes
movimentos de adaptação que configuram a
arquitetura onde a atribuição simbólica de
significações próprias, que o sujeito
aprendente faz, em relação aos processos de
aprendizagem onde interage.Entretanto, para
que todo este processo favoreça adaptações
inteligentes, é necessário que os movimentos de
acomodação e assimilação estejam em equilíbrio,
ou seja, um não pode predominar em excesso sobre
o outro. Com os estudos de Sara Paín é possível
observar os processos de hipoassimilação
/hiperacomodação, e de
hipoacomodação/hiperassimilação, que constituem
as diferentes modalidades presentes nos
processos representativos que afetam a formação
deste equilíbrio.
Tais modalidades interferem tanto nas reações e
respostas que o organismo produz em sua
interação com o meio, quanto nos processos de
aprendizagem, que se pressupõe normal quando
esta é produzida numa relação onde os movimentos
assimilativos e acomodativos apresentem-se em
equilíbrio.
São as elaborações objetivantes e subjetivantes
que farão com que o sujeito aprendente e
desejante, de fato, aprenda, pois aprender é
apropriar-se, e tal apropriação permite que o
objeto do conhecimento, da aprendizagem, seja
ordenando e classificado. No aspecto subjetivo,
tal movimento irá gerar o reconhecimento e a
apropriação do objeto, como resultado das
vivências e das experiências que o aprendente
obteve com sua relação e interação com este
objeto. Vale a pena relembrar que todo este
processo ocorre na articulação das instâncias do
organismo, do corpo, da inteligência e do desejo
que constituem o mover-se do sujeito
aprendente, além dos vínculos que consegue
estabelecer com os outros aprendentes e
com os seus ensinantes.
Todas estas idéias favorecem o nosso pensar,
agir e refletir para as questões relativas à
aprendizagem em nosso tempo. Se o aprendente
se faz sujeito desejante de modo gradativo, a
construção do seu saber deve ser investigada e
analisada. Cabe a todo ensinante ser
ponto de referência, suporte colaborativo e
atencioso, observando expectativas e
necessidades e valorizando, cada vez mais, as
construções e descobertas de seus aprendentes.
Sugestão Bibliográfica:
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